A cassação do mandato da presidente do CRMV-MS, Sibele Cação, é um balde de água fria em quem acredita que o Brasil está evoluindo no respeito à vida
Em The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy (no Brasil, O Guia do Mochileiro das Galáxias), do inglês Douglas Adams, o protagonista Arthur Dent enfrenta o pior inimigo com o qual se pode deparar em toda a galáxia: a burocracia. Nesse enredo de ficção científica, esse mal é personificado pelos vogons, corpulentos ETs que vão provocar a destruição da Terra por serem incapazes de cancelar um processo administrativo já iniciado – e dá-lhe guias, memorandos, relatórios…
O Brasil tem muitos vogons em suas repartições, agências reguladoras e demais autarquias. E, pior, o modelo se replica também nas entidades de classe e até nas empresas privadas. Ninguém escapa dessa “cultura do carimbo” – que de inofensiva não tem nada. Exemplo lamentável e recente do retrocesso que esse modelo de comportamento pode produzir é a cassação do mandato da presidente do CRMV-MS (Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso do Sul), Sibele Luzia de Souza Cação. Exercendo exatamente aquilo que se espera de uma pessoa que escolheu ser médica veterinária, a Dra. Sibele posicionou-se a favor do tratamento dos cães portadores de leishmaniose. Resultado: os “vogons”, seus pares, cassaram seu mandato por unanimidade e ainda declararam sua inelegibilidade pelos próximos quatro anos. Foi punida por agir de maneira ética, tecnicamente correta e humana.
Ética punida
Tudo começou em julho de 2012, quando o cão Scooby, que apresentava sintomas de leishmaniose, foi amarrado pelo próprio guardião a uma moto e arrastado ao longo de quatro quilômetros até o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) da capital sul mato-grossense. O caso gerou comoção, porque o animal estava debilitado e ferido. Em vez de ser submetido à eutanásia, recebeu tratamento e foi adotado por uma família, que tem mantido os cuidados necessários para que ele permaneça assintomático e não corra o risco de ser picado pelo mosquito vetor da doença.
Na época, a Dra. Sibele usou o caso de Scooby para demonstrar que o tratamento é possível, e passou a fazer visitas quinzenais ao cão: “Ele (Scooby) representa o exemplo concreto do que nós estamos defendendo há tempos, de que o tratamento, quando bem aplicado, resulta na cura clínica do animal, não colocando o ser humano em risco, pois outros dispositivos são utilizados, além da administração de medicamentos, como o uso de coleira repelente contra o flebótomo, verdadeiro transmissor da doença”, declarou naquela ocasião.
Mas, para os “vogons” do MPF/MS (Ministério Público Federal), a conduta da profissional foi “inaceitável”, motivando uma representação contra o CRMV-MS. Tudo porque o Brasil, na contramão do resto do mundo, insiste em não reconhecer a validade de nenhum método preventivo e mantém uma legislação cinquentenária que preconiza a eutanásia como única alternativa para os cães vitimados pela leishmaniose. Sem dizer, claro, que nossas autoridades em Saúde não realizam nenhum programa eficaz de combate ao mosquito-palha, vetor da doença.
Conforme já noticiado pela ARCA Brasil, especialistas no assunto defendem que há tratamentos que podem ser aplicados com sucesso nos cães portadores do protozoário leishmania, praticados em vários países da Europa, além de instrumentos preventivos, como a vacina e o uso de repelentes, que mantêm o inseto bem longe do animal infectado, encerrando assim o ciclo de transmissão.
Burocracia versus vida
A assessoria de imprensa do CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária) informa que o órgão federal e seus 27 Conselhos Regionais entendem que o tratamento da leishmaniose em animais “está efetivamente proibido, pois atualmente não existe nenhum medicamento fabricado ou certificado no País que seja eficaz no tratamento e na cura da doença em animais”.
Ou seja: o posicionamento do CFMV, alinhado ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, está engessado por um entendimento burocrático de uma legislação ultrapassada e cruel. É de se lamentar que esses médicos veterinários ignorem toda a literatura científica disponível que demonstra a ineficácia da eutanásia dos cães e se furtem a olhar com um mínimo de compaixão para os seres de cuja saúde deveriam cuidar – e que a Dra. Sibele, ao fazer isso, tenha sofrido retaliação.
É hora de todos aqueles que defendem o respeito à vida manifestarem seu apoio a essa profissional que não se curvou à burocracia paralisante e teve a coragem de defender o que é certo.
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No Hotsite da campanha você encontra subsídios éticos e técnicos para sua argumentação:
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