A ARCA Brasil, com o auxílio de assessores jurídicos, responde a seguir algumas das principais dúvidas legais dos guardiões de animais e dos médicos veterinários que lidam com casos de leishmaniose visceral:
Com que base legal as autoridades sanitárias proíbem o tratamento da leishmaniose visceral canina?
Resposta: Com base na Portaria Interministerial 1426 de 11.07.2008 (publicada pelo Ministro da Saúde e pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), que proíbe o tratamento da leishmaniose visceral em cães infectados ou doentes com produtos de uso humano ou produtos não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Essa portaria pode perder efeito em breve, pois o medicamento Milteforan, de uso veterinário, já passou por uma série de testes em nosso país e está em fase de aprovação dentro dos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Quando os trâmites legais forem finalizados, haverá uma opção concreta de tratamento para cães infectados.
Qual a base legal para as autoridades sanitárias realizarem a eutanásia de cães?
Resposta: O Decreto 51.838/1963 preconiza a “eliminação” (esse é o termo utilizado pelo Decreto) do animal doente. Porém, há jurisprudência suficiente, hoje, para que o cidadão não entregue seu animal para a eutanásia, pois em outubro de 2013, o então Ministro do STF, Joaquim Barbosa, emitiu a seguinte decisão: “Pelo que se pode extrair das manifestações contidas nestes autos, o tratamento de cães com leishmaniose visceral apresenta peculiaridades e deve ser acompanhado por médico veterinário, de maneira a mitigar os riscos à saúde dos animais e da coletividade em geral. Devem ser adotados métodos seguros e transparentes de controle dos resultados, bem como exigências relacionadas à responsabilização dos proprietários, no sentido de impedir que os animais tratados venham a constituir focos de disseminação da doença”. Ou seja, ele reconheceu a prerrogativa do profissional de medicina veterinária arbitrar sobre a pertinência ou não de se submeter a tratamento o cão com leishmaniose.
Pergunta: A Portaria Interministerial 1426/08 está sendo questionada juridicamente. Como está o andamento do processo?
Resposta: Em setembro de 2008 uma ação cautelar foi ingressada na Justiça Federal contra a União (validade Nacional) no intuito de suspender os efeitos da Portaria, por entendê-la ilegal e inconstitucional.
Em 16 de janeiro de 2013, o Desembargador André Nabarrete Neto, do Tribunal Regional Federal (TRF) da Terceira Região, derrubou a Portaria Interministerial do Ministério da Saúde Nº 1426/2008, que proibia o uso, em cães doentes, das mesmas drogas que são utilizadas para tratar os seres humanos com Leishmaniose. A sentença afirma: “A Portaria n.º 1.426 é ilegal, porquanto extrapola os limites tanto da legislação que regulamenta a garantia do livre exercício da profissão de médico veterinário, como das leis protetivas do meio ambiente, em especial da fauna”.
A União recorreu da decisão? Existem recursos em andamento?
Resposta: Existem três recursos: um Embargo de Divergência, não julgado, junto ao TRF-3, no qual pedem a suspensão da eficácia da sentença.
Outros dois pedidos de suspensão de liminar foram propostos. Um no Superior Tribunal de Justiça, rejeitado liminarmente, e outro perante o Supremo Tribunal Federal (STF), onde o Ministro Joaquim Barbosa, manteve a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), que considerou ilegal a Portaria 1426/2008.
Enquanto não sai a decisão definitiva do Judiciário – o que deve demorar -, o veterinário conta com o respaldo da decisão do STF.
Podemos entender que o veterinário que decide tratar um animal tem respaldo legal? O CRMV de seu Estado pode ou tem poder interpelar o profissional judicialmente?
Resposta: Sim, pode ser interpelado, mas contará com respaldo legal proporcionado pela decisão de Joaquim Barbosa no STF, conforme exposto anteriormente. Caso o CRMV local se manifeste, o veterinário terá a seu favor o fato de as normas estarem suspensas em sua eficácia. Também poderá recorrer à Lei 5.517/68 (que regulamenta a profissão de Médico Veterinário) e ao Código de Ética do Conselho Federal de Medicina Veterinária, que confirma como exclusiva a competência do Médico Veterinário para o diagnóstico de doenças em animais e a autonomia desse profissional em prescrever tratamentos ou outras medidas que visem garantir a vida e o bem-estar do animal.
O proprietário de um animal ao qual seja negado tratamento, ou, ainda, ao qual se pretenda sacrificar, pode ir a juízo para questionar essa medida?
Resposta: Sim, por meio de advogado, com base nas razões expostas acima e valendo-se da jurisprudência segundo a decisão do STF.
DIREITO DOS ANIMAIS
Os animais pertencentes à fauna brasileira são devidamente protegidos pela Constituição Federal (*) e Lei dos Crimes Ambientais – 9605/98 (**).
((*) Constituição Federal: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…).VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, no forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
(**) Lei Federal nº 9.605 de 1998 – Lei de Crimes Ambientais Capítulo V, que trata dos Crimes contra o Meio Ambiente, em seu artigo 32, assim prescreve: Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 2 . A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da qual o Brasil é signatário, em seus artigos 1º, 2º, letra c, 3º, letra a, 11 dispõe: Art. 1º. Todos os animais nascem iguais diante da vida e têm o mesmo direito à existência. Art. 2º. c) – cada animal tem o direito à consideração, à cura e à proteção do homem. Art. 3º. a) nenhum animal deverá ser submetido a maus-tratos e atos cruéis. Art. 11. O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um delito contra a vida”