Publicado na edição Mai/Jun 2014 da Revista Nosso Clínico
Vacinas, repelentes e a disponibilidade de fármacos no mercado veterinário têm ajudado bastante
A leishmaniose canina é uma doença causada por protozoários do gênero Leishmania, principalmente pelas espécies Leishmania infantum (=Leishmania chagasi) e Leishmania braziliensis. O elo principal na cadeia de transmissão desses protozoários é um pequeno e frágil inseto de grande importância médica veterinária: o flebótomo. Apesar dos avanços nas pesquisas sobre a leishmaniose canina obtidos nas últimas cinco décadas, a doença continua a representar um grave problema para o clínico veterinário e para profissionais de saúde pública no Brasil e em outros focos da doença pelo mundo afora.
Afortunadamente, nos últimos anos, as indústrias farmacêuticas têm investido muito em pesquisa e desenvolvimento. Por exemplo, novas ferramentas de prevenção como pipetas spot-on ou coleiras com repelentes e vacinas têm sido registradas em diversos países, incluindo no Brasil. Esses avanços têm ajudado médicos veterinários de vários países a prevenir o risco de infecção em cães que vivem diariamente expostos aos vetores e, por conseguinte, ao risco de infecção. Na Europa, inclusive, já existem fármacos registrados no mercado veterinário para o tratamento da leishmaniose canina. Na verdade, a disponibilidade de fármacos no mercado veterinário tem ajudado bastante no manejo do paciente canino com leishmaniose.
No Brasil, existem vacinas e repelentes que podem auxiliar na prevenção da leishmaniose canina. Da mesma forma, na Europa os cães são tradados regularmente há muito tempo com produtos repelentes e recentemente uma nova vacina foi registrada para prevenção da leishmaniose canina. Outra estratégia, igualmente importante, é o controle de cães errantes e o monitoramento constante da infecção na população canina. Todos os cães infectados, uma vez individuados, precisam ser tratados. De fato, embora seja praticado há anos na Europa, o tratamento da doença ainda permanece um dos assuntos mais polêmicos no Brasil. As evidências científicas demonstram que os cães tratados melhoram clinicamente e que há uma redução da carga parasitária e, consequentemente, do risco de transmissão da infecção aos vetores, também porque todos os cães em tratamento precisam estar protegidos com repelentes. Contudo, as autoridades de saúde pública e até mesmo o Conselho Federal de Medicina defendem que o tratamento não deve ser realizado, devido ao risco de desenvolvimento de resistência aos fármacos utilizados no tratamento da leishmaniose humana. Esse problema poderia ser perfeitamente contornado através do uso de fármacos como alopurinol e miltefosina que não são utilizados para o tratamento da leishmaniose humana no Brasil. De todo modo, as pesquisas científicas continuam a avançar e a visão do próprio Ministério da Saúde tem mudado ao longo dos anos, o que tem resultado em mudanças práticas nas ações de controle, tais como a substituição da imunofluorescência indireta (pouco específico e subjetivo) por um teste mais rápido e específico, além da distribuição de repelentes em algumas áreas de risco. Temos a certeza de que as evidências científicas delinearão as futuras diretrizes para o manejo do cão infectado por L. infantum (doente ou não) no Brasil, como já acontece na Europa.
Em tempo de discussões sobre as questões éticas relacionadas ao uso de animais em pesquisas, já está mais que na hora de buscar novas alternativas a eutanásia de cães soropositivos sadios que, além de ineficaz, custa milhões de reais aos cofres públicos todos os anos. Todo esse dinheiro poderia ser revertido para programas permanentes de controle populacional de cães ou para a compra de coleiras e vacinas para cães de proprietários de baixa renda que vivem em áreas de alto risco de transmissão.
Não menos importante, se um proprietário não souber o que é um repelente ou uma vacina, ele jamais usará no seu cão. Por isso, é preciso investir na educação básica. Sem educação e cooperação entre veterinários e agentes de saúde pública, uma doença complexa como a leishmaniose jamais será controlada. Sem a união de esforços, continuaremos a ser, juntamente com Índia, Bangladesh, Sudão, Sudão do Sul e Etiópia, responsáveis por mais de 90% dos casos de leishmaniose visceral humana registrados no mundo.
Para os cães brasileiros, a Leishmaniose é o pior pesadelo
Enquanto em outros países o foco é a prevenção, por aqui esses animais passam de vítimas a vilões em uma picada
Na edição passada falamos sobre os espantosos números de casos confirmados da Leishmaniose em humanos, importantes para compreender a gravidade dessa zoonose. Como já foi dito nesse espaço, o Brasil, na contramão do resto do mundo, baseado em uma legislação cinquentenária, promove o extermínio em massa como única alternativa para os cães vitimas da doença, sem que as autoridades em Saúde realizem um programa realmente eficaz de combate ao mosquito-palha, vetor da Leishmaniose. Em diversas cidades do país, as campanhas preventivas são feitas por ONGs e protetores independentes.
“No quadro atual, todos perdem. O MS perde, pois sua política de eliminação dos cães não dá resultado e a doença só aumenta; os veterinários, sujeitos à ilegalidade ao cumprirem o seu papel e preservarem a vida dos bichos; a sociedade, que tem que recorrer à justiça para tratar seus animais, e, por fim, os cães, que pagam com a vida nesse cenário inconcebível nos dias atuais”, desabafa Marco Ciampi, presidente da ARCA.
A ARCA Brasil lançou, em 2012, a campanha O Cão Não é o Vilão, com o principal objetivo de exigir a revisão urgente das atuais políticas públicas de combate à Leishmaniose.
Mais de 20 mil pessoas já assinaram a petição. Participe e ajude a mudar esse quadro: www.ocaonaoeovilao.org.br
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