Conheça a dura realidade dos cavalos de carroça e as tentativas que há mais de uma década tentam reverter este quadro.
Os grandes centros urbanos que ainda permitem a circulação de veículos movidos por tração animal apresentam um cenário de acidentes e maus tratos. A cidade de Porto Alegre (RS), apelidada de “Capital das carroças”, é uma triste confirmação desse dado. Com mais carroças em circulação do que ônibus, os cavalos muitas vezes trabalham de sol a sol, sofrem maus-tratos e morrem pelas ruas sem que o poder público tome qualquer providência.
A situação dos cavalos na capital do Rio Grande do Sul sofreu um retrocesso. No início de 1994, os cavalos tiveram a ajuda coordenada de governo e outras instituições. Os equinos – muitas vezes mal alimentados e carregando peso acima das suas capacidades – contaram naquele ano com a clínica PAATA.
Na época havia cerca de cinco mil carroças movidas por tração animal circulando pela capital do Rio Grande do Sul (dado da Empresa Pública de Transportes e Circulação). Os acidentes de trânsito eram diários e, mensalmente, cerca de 25 cavalos eram encaminhados ao Hospital Veterinário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) devido aos maus tratos.
Diante desta realidade, prestar algum tipo de assistência a esses animais e educar seus donos sobre como tratá-los eram necessidades urgentes. A Associação dos Amigos do Golfinho Flipper, entidade que deu origem à ARCA Brasil (posteriormente, a ARCA ganhou a atual denominação, sem qualquer vínculo com outra entidade) criada em janeiro de 1993, ficou responsável pelos aspectos legais e administrativos da operação, com o apoio técnico e financeiro da WSPA – World Society for the Protection of Animals.
A esta parceria, se uniram entidades da própria cidade e o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, dando origem à primeira clínica gratuita para cavalos de tração do país. O local escolhido para instalação da clínica Paata (Protetores Amigos dos Animais de Tração Associados, veja foto) foi o Ceasa (Central de Abastecimento), para onde convergiam as carroças para se abastecer de frutas e legumes.
Participaram do projeto veterinários e estagiários de medicina veterinária de universidades do RS, além de dois voluntários, Gelcira Teles e Rogério Mongelos, com longo histórico ligado ao movimento em defesa dos animais.
Os cavalos passavam por exame clínico, recebiam vermífugos e vacinas, enquanto seus donos ganhavam cartilhas e orientação sobre como cuidar dos animais.
Aqueles que precisavam de diagnósticos mais complexos eram encaminhados à UFRGS, que oferecia desconto de 50% para os casos enviados pela Paata.
Gelcira Teles, jornalista e coordenadora da clínica, conta que a reação dos carroceiros foi muito positiva. “No início, eles pareciam não acreditar que os cavalos seriam atendidos gratuitamente. Mas mesmo ressabiados, eles começaram a confiar em nós e no tratamento. Depois de um tempo, já contavam seus problemas pessoais, nos traziam frutas de presente”, relembra.
De acordo com ela, a média mensal de atendimentos foi de cerca de 180 cavalos e, embora a média fosse de 9 animais, em alguns dias chegaram a receber 25 equinos. “O fato de atendermos ao ar livre diminuía o número de consultas em dias de chuva. Quando havia surtos de infecção respiratória esse volume quase dobrava”, explica a jornalista. O número total de equinos atendidos pela Paata ao longo de sua existência foi de 4956.
“Esse projeto ajudou a resgatar a honra, a dignidade e a beleza desse animal, tantas vezes ultrajadas”, resume Marco Ciampi, presidente da ARCA. De acordo com ele, o tratamento médico gratuito que devolveu a saúde desses animais e a conscientização dos carroceiros contribuiu, na época, para diminuir os acidentes nas ruas de Porto Alegre.
O projeto acabou cerca de dois anos após sua implantação por carência de recursos financeiros. “Acredito isso se deu por alguns fatores. O primeiro deles, a falta de visão política ou mesmo a ignorância dos governantes e empresários na época para apoiar o projeto. Já o segundo, a ausência de planejamento da entidade internacional envolvida para amparar a Paata na elaboração de um projeto a médio e longo prazos. E terceiro porque talvez a Paata fosse uma iniciativa de vanguarda, pioneira na América Latina, avançada demais até para os ‘protetores’ dos animais dos anos 90”, desabafa Gelcira.
Desde então, aos poucos, o caos foi se instalando novamente. E hoje, pode-se afirmar com segurança que a situação dos cavalos e carroceiros está ainda pior do que na década de 1990. “A situação está no limite. Motoristas reclamam do incômodo das carroças nos trânsito e notícias de acidentes com animais extenuados ou agonizando em vias públicas aparecem cotidianamente na imprensa”, denuncia a jornalista.
Embora Porto Alegre já tenha termos de compromisso e leis que proíbem o tráfego de carroças. Há ainda, desde 2005, um projeto de lei que prevê a retirada gradativa das carroças das ruas da Capital num prazo de até oito anos e que está em processo de votação. Porém, todas as regras vêm sendo sumariamente desobedecidas, mediante a falta de fiscalização. Por outro lado, o governo não oferece a oportunidades para os carroceiros mudarem os seus meios de vida e a maior parte dos protetores de animais da cidade não oferece alternativas papáveis à situação.
Colaborou: Gelcira Teles