Quando o que é bom passa dos limites e se torna algo ruim. Saiba mais sobre as pessoas que recolhem mais cães e gatos do que podem cuidar.
Todo mundo conhece ou ouviu falar de alguém, geralmente uma senhora de idade, que vive cercada por muitos cães ou gatos, que não os doa por nada no mundo e sustenta a si mesmo e a eles aos trancos e barrancos. A compulsão por guardar ou acumular bichos, objetos em geral e até lixo – conhecido no exterior como “collector” ou “hoarders” (colecionadores ou acumuladores, em tradução livre) – é associada a um transtorno psicológico.
Esses distúrbios são comuns e chegam a tal ponto que nos EUA, no canal A&E TV, existe um programa chamado “Hoarders” com casos de pessoas que acumulam de animais a entulhos em um nível anormal.
O episódio 20 da segunda temporada mostrou Michelle, uma mulher que começou a receber pássaros de vizinhos que alegavam não poder mais ficar com eles. Após algum tempo estava com mais de sessenta aves, a maior parte delas recolhidas, e mal conseguia cuidar de si mesma. O programa, em parceria com a ong norte americana HSUS (Humane Society of United States), ajudou Michelle a dar um destino aos pássaros e a tratar de seu transtorno. No entanto, nem todo mundo pode receber auxílio especializado como neste caso em especial.
Nos EUA, quando uma situação dessas é revelada – geralmente pela denúncia de vizinhos devido ao mal cheiro e a sujeira – a pessoa é proibida pelo estado de manter os animais, que são encaminhados a algum abrigo. Infelizmente, poucos sobrevivem após o longo período de má nutrição e níveis deploráveis de higiene.
Especialistas americanos aconselham que donos de petshops e clínicas veterinárias não fechem os olhos quando cruzarem clientes com o transtorno e tentem aconselhá-los a não pegar mais bichos e buscar ajuda. Mas na maioria das vezes será necessário apelar às leis de proteção animal para salvar a bicharada das condições precárias.
No entanto, esta não é tarefa fácil, pois, de acordo com o veterinário e especialista Gary Patronek, do Hoarding of Animals Research Consortium (Consórcio de Pesquisa sobre o Acúmulo de Animais), cada caso é único e deve ter abordagem diferente, enquanto as terapias especializadas neste tipo de comportamento ainda estão sendo aprimoradas.
Estudos conduzidos por Patronek mostram que 60% da pessoas com o transtorno não conseguem perceber o próprio problema e que o desvio acontece principalmente em mulheres (76%) com 60 anos ou mais (46%), metade deles vivem sozinhos (55,6%) e quase três quartos (72%) é de solteiros, divorciados ou viúvos.Entre os animais mais comuns estão cães e gatos, embora também existam registros de casos com pássaros e animais de fazenda.
O problema nem sempre tem origens claras, mas geralmente está associado a distúrbios psicológicos como TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e o Transtorno Bipolar, entre outros. Ele pode ter relação com negligências sofridas durante a infância e costuma a aparecer a partir de um desequilíbrio cotidiano, que faz a pessoa perder o parâmetro de uma relação sadia com os animais.
Em terras tupiniquins, a lei limita a dez o número de animais permitido em cada casa no meio urbano. Se essa quantidade de animais já pode ser crítica, dependendo do tamanho, arejamento e outros detalhes do local, o que dizer de várias dezenas e até centenas de cães e/ou gatos acumulados em ambientes inadequados, onde, em casos extremos, não se consegue sequer dar um destino aos animais mortos?
“Em um país onde milhares de bichos perambulam pelas ruas sem assistência, é difícil saber se o problema nasce unicamente devido ao transtorno ou se o cenário de carência leva as pessoas ao comportamento de colecionadores compulsivos”, alerta Marco Ciampi, presidente da ARCA Brasil. Para Ciampi, que estuda o tema há mais de uma década, muitas saem do ponto de equilíbrio involuntariamente, quando animais em excesso são abandonados em suas portas por serem conhecidos nas vizinhanças como “gateiros” e/ou “cachorreiros”.
No entanto, não se pode confundir um desvio de comportamento de ordem psicológica, cuja conseqüência é uma situação onde o animal é quem mais sofre, com o trabalho sério e comprometido do Lar Transitório. Este último busca encontrar famílias para animais carentes “de passagem”, uma ação genuína para o nosso país que a ARCA vem estimulando nos últimos anos.
O Hoarding of Animals Research Consortium enumera algumas sinais que podem indicar que uma pessoa adotou o comportamento de um colecionador:
– Tem um número de animais de companhia maior do que o normal.
– Não é capaz de prover o mínimo esperado de alimentação, higiene, atenção e cuidados veterinários, resultando geralmente em doenças e morte por má nutrição, doenças infecciosas e ferimentos não tratados.
– Nega ser incapaz de prover esses cuidados mínimos e o impacto sobre os animais, em sua moradia, sobre si mesmo e nos outros eventuais ocupantes humanos do ambiente.
– Persiste, mesmo diante destes fracassos, em acumular animais.
Acompanhe na segunda parte desta matéria as orientações de especialistas, o que dizem as autoridades e o que fazer para auxiliar humanos e animais envolvidos nesse tipo de situação.
(Com material da HSUS, do Hoarding of Animals Research Consortium e do estudo “Hoarding of animals: an under-recognized public health problem in a difficult-to-study population”, realizado por Gary Patronek).
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