ESPECIAL: SUPERPOPULAÇÃO E ABANDONO
Oficial: Cresce o número de animais abandonados
Por Felipe Jordani/Redação Notícias da ARCA
Acompanhe a primeira matéria do especial da ARCA sobre a situação dramática que atinge grandes centros urbanos.
“Pelo amor de Deus, tem um animal atropelado parado em frente a minha casa, quem pode recolher ou fazer alguma coisa?”; “A minha vizinha morreu, quem pode ficar com os 10 cães e os 5 gatos que ela criava”…
“O CCZ de SP não recolhe mais animais, apenas nos casos de agressividade com vítima comprovada ou com o bicho morrendo na rua”;
“Por estarmos enfrentando muita dificuldade, decidimos deixar definitivamente de alimentar a “ilusão do abrigo ideal” – sobre o fechamento do abrigo Quintal de São Francisco (SP) após 50 anos de existência.
As situações acima aliadas ao crescente número de pedidos de ajuda e denúncias que chegam a ARCA Brasil diariamente indicam a gravidade do problema. Mas o que será que está acontecendo? O que não deu certo? O que há por fazer? Qual é o papel dos governantes? Qual é a importância dos protetores independentes e ONGs? As leis vigentes estão funcionando ou são meros instrumentos eleitorais? A sociedade e donos de animais têm cumprido seus papéis? Questões fundamentais não podem se perder no furacão que cerca todo esse problema.
Histórico
O nascimento dos grandes aglomerados urbanos durante a Revolução Indústrial do século XVIII e XIX, intensificou o contato e favoreceu a proliferação de cães e gatos. Desse aumento significativo, nasceu o dilema: o que fazer com os “excendentes”, considerando o risco da transmissão de doenças, entre elas a raiva? A morte foi a resposta. Nos EUA, na década de 70, 12,5 milhões desses animais foram mortos por ano.
No Brasil não foi diferente, a política de captura e extermínio foi intensa, especialmente nas décadas de 1970 e 1980. Atualmente não é a raiva que sentencia a morte de tantos cães no país, hoje o perigo é a grande falta: falta de controle populacional, falta de educação para posse responsável, falta de políticas públicas e falta do cumprimento das leis. Uma equação que sempre resulta em descontrole e abandono.
Analisando a 4º maior cidade do mundo, São Paulo, conseguimos imaginar o que acontece no resto do território nacional. Com uma população estimada de 11 milhões de habitantes, ocupa a 10ª posição no ranking das mais ricas do mundo. Mesmo com tanto dinheiro, até hoje conta com apenas um órgão dedicado a cumprir políticas preventivas como vacinação, registro, castração, educação, etc. Temos um único Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), para uma estimativa de 1,6 milhões de cães no município. Com uma população humana quase dez vezes menor (1,6 milhões), a cidade de San Diego (EUA), possui 3 agências de “controle animal” (similar ao CCZ).
Segundo Rita Garcia, Coordenadora Executiva do ITEC (Instituto Técnico de Educação e Controle Animal), o número de animais cresce junto com o da população humana, o mesmo se aplica aos problemas relativos a esse aumento. “Enquanto não existir uma política de impacto para atender essa demanda que é enorme, o problema não vai diminuir”.
Ou seja, o fenômeno pet, que inseriu o cão e o gato no seio familiar, não foi acompanhado por uma estrutura pública que previna e muito menos que resolva o drama da superpopulação e do abandono. A Anfalpet (Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos para Animais de Estimação) estima que em 2010 o Brasil terá 33 milhões de cães e 17 milhões de gatos domiciliados. Dessa estimativa, quantos vão parar nas ruas ou gerar crias indesejadas?
Não precisa ser matemático para concluir que certas contas não fecham. A pergunta é: a principal cidade da América Latina consegue ou não lidar com o problema dos animais errantes?
Olho do furacão
A cidade de São Paulo, analisada nessa reportagem, conta com uma lei ambiciosa que exige que todos os animais vendidos ou doados sejam castrados (Nº 14.483/07). O despejo de filhotes não esterilizados por comerciantes inescrupulosos, aliado ao impulso da compra, a raça da moda, a idéia de presentear alguém com um bichinho, engrossam esses números que só tendem a crescer.
Para fiscalizar tal lei, a protetora Izolina Ribeiro criou o grupo Esquadrão Pet. “Nem petshops de shoppings são fiscalizados, imagine os criadores de fundo de quintal! Mesmo assim continuo a insistir e denunciar”, alerta Izolina. “O que a desanima é que nem o cadastro proposto para fiscalizar os criadores de animais foi criado até hoje”.
Outra lei em vigor, dessa vez cobrindo todo estado paulista (Nº 12.916/08), do deputado Feliciano Filho, veta a eutanásia de animais sadios pelos órgãos de controle de zoonoses e canis públicos. “O CCZ precisa agora manter 350 animais por um período indeterminado, além de controlar outras áreas, como de animais sinantrópicos (pombo, ratos, morcegos, etc), com a mesma verba” questiona a Dra. Maria de Lourdes Reichmann, pesquisadora do Instituto Pasteur.
O “no kill” tupiniquim segundo a pesquisadora do Instituto Pasteur, acirra a irresponsabilidade da sociedade. “As pessoas passaram a abandonar mais, motivadas pelo fato que o CCZ não pode mais matar”, afirma a Dra. Maria de Lourdes.
Para quem encara o problema diariamente, a impressão é a mesma. “É evidente que o abandono só aumenta, as pessoas sabendo que não existe mais a tal carrocinha, joga na rua mesmo. Quando comecei chegavam um ou outro e-mail sobre resgate de filhotes, hoje são sempre filhotes de baciada”, desabafa a protetora Izolina.
“Em um cenário com tantas carências e paixões, corre-se o risco de um discurso polarizado, onde é mais fácil apontar “o bom” e “o mau”. Cabe ao CCZ cumprir leis, trabalhar a prevenção e por outro lado, cabe ao cidadão ser menos negligente. A cada dia que passa, a relação homem-animal está mais banalizada e na base no empurra-empurra”, conclui Marco Ciampi, presidente da ARCA.
Os números impressionam, segundo uma fonte do próprio Centro, em menos de 1 ano foram registradas mais de 22 mil solicitações de recolhimento, por diferentes motivos. Até o número de mordidas cresceu. No começo do ano, de acordo com o Datasus, foram registrados no estado de São Paulo 100 mil ataques de cães em 2009, uma média de 11 por hora. A panela de pressão está cada vez mais quente…
Existe remédio?
Tentando evitar uma explosão, estão aqueles incapazes de ficar indiferentes quando passam por um ponto de ônibus e vêem um animal encolhido, desnutrido ou ferido. As “cachorreiras”, como são chamadas, vivem correndo por todos os cantos, organizando e-mails e pedidos de ajuda, para tentar minimizar um problema ou “enxugar gelo”, como elas mesmas dizem. Talvez seja um iceberg.
Mesmo pessoas bem intencionadas dão sinais que não agüentam mais segurar uma barra tão pesada. Um dos abrigos mais antigos da cidade, o Quintal de São Francisco, anunciou que fechará suas portas ainda esse ano. Em entrevista para Revista Veja SP, a proprietária Ângela Caruso, disse que o local passa por dificuldades financeiras e não consegue arcar com os R$20 mil mensais que precisa para se manter. São mais 250 animais a procura de um novo lar.
Estudos apontam que o equilíbrio entre mortes e nascimentos é atingido quando 70% da população de cães e gatos é castrada. Alguns atribuem a missão de chegar nesse número ao poder público e outros alegam que ele não tem estrutura para isso. O EUA faz da economia de mercado seu diferencial e incentiva uma saudável competitividade. Nesse país, não só ONG’s e agências ligadas ao governo, mas veterinários particulares criaram clínicas onde é possível castrar o animal a preços bem reduzidos com técnicas eficazes e sem pós-operatório.
Reduzir a população de cães e gatos abandonados é uma luta que absorve a maior parte dos esforços e recursos de entidades de proteção dos animais mais próximos do homem. Pesquisas e inovações no campo da prevenção da natalidade já trazem resultados promissores, como a esterilização química para cães machos, produto lançado inclusive no Brasil.
A ARCA Brasil, reconhecida como uma das maiores articuladoras dessa questão, em 2004 lançou o Programa Veterinários Solidários. O projeto apresentado no Congresso Mundial de Veterinário, em julho de 2009, acredita na força desse profissional na erradicação das crueldades e do sofrimento que atinge os animais, uma iniciativa que não tem precedentes em países em desenvolvimento.
Felizmente a importância da castração aos poucos, já faz parte do bom senso da sociedade. Até o Congresso Nacional enxergou isso e o projeto de lei (PL 4/2005), que institui uma política de controle da natalidade de cães e gatos em todo o país, já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
A solução não virá por um decreto, mas de uma mobilização em conjunto. Incluindo a conscientização da sociedade, menos demagogia e mais atitude das autoridades, e castração segura por um valor muito menor que as consequencias de uma procriação indesejada.
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